Almoço na fazenda para o Rosa

Quando alguém da estatura de um Guimarães Rosa faz cem anos de nascimento, temos que comemorar e muito! Imaginem que estamos falando do maior escritor que o Brasil já teve. Imaginem que este escriba maior nasceu em Cordisburgo, Minas Gerais. Imaginem que a família Ramos também é de lá, inclusive aparentadas. Imaginem que nós temos uma fazenda lindíssima na mesma cidade, sem nenhuma modéstia, e que todo mundo chama de “Paraíso”. Imaginem que a filha do Rosa, a Vilma, também excelente escritora, resolveu comemorar “comme il faut” o centenário do pai doando todas as honrarias que ele ganhou em vida e pos mortem. Imaginem que esta colunista aqui de vocês adora receber amigos e celebrar a vida. Então, imaginem que não era preciso nem todos estes motivos para festejar… e imaginem ainda tendo todos estes excelentes motivos. Assim, organizei um espetacular almoço na minha Fazenda Bento Velho para, especialmente, comemorar o encerramento do ano de centenário do Guimarães Rosa. Preparei a maior festança para receber a Vilma e o Peter, seu marido, as medalhas, as placas, as insígnias doadas por ela e, principalmente, receber meus queridos amigos. Caprichei mesmo!

Convidei o grupo de congado da cidade chamado “Guarda de Nossa Senhora” que deu show - uma graça! Os componentes do grupo compareceram com seus uniformes impecáveis, que de tão brancos até doíam na vista. Fui recebê-los na varanda, nas escadas, beijei a bandeira e dancei congado com eles. Eu , a Vilma e o Peter. Vocês ja viram a dança do congado? Gente, a coreografia é diferente e muito ritimada, eles são bem ensaiados, dançam e tocam os tambores, anunciando que estão tomando conta da Mãe de Jesus, Nossa Senhora. E ai de quem se atrever a atacá-la. O capitão da Guarda tem uma espada enorme e passa o infiel no fio dela... Jesus amado! Eles são todos pretos, porque vocês sabem o congado vem da epoca da escravidão e era uma forma dos negros se expressarem e extravasarem suas penas e sofrimentos e, ao mesmo tempo, pedirem a proteção dos santos. Tanto que o Rei Congo representa São Benedito e a Rainha representa Nossa Senhora do Rosário, considerada a protetora dos negros. Cada grupo de congado, e em Minas temos mais de trezentos grupos, tem uma bandeira guia, que representa a fé que os congadeiros têm na santa dos escravos. Eu, desde pequena, admiro o Congado e quis que meus convidados pudessem relembrar esta tradição tão bonita da nossa cultura. A “Guarda de Nossa Senhora” encantou e comoveu a todos, naquele sabado de sol brilhante, um dia tão lindo que estava fazendo, que animou bastante minha festa no campo.

Os convidados iam chegando, sentavam-se na ampla varanda da casa grande da fazenda, confraternizavam uns com os outros, e a alegria fluiu naturalmente, contagiando todos os convivas. Perfeito, como eu planejei.

Bem, aí fomos para a ampla cozinha de uma típica fazenda mineira, que tem tudo no mesmo lugar: churrasqueira, fogão a lenha e horta na porta. A couve à mineira vinha de lá, apanhada na hora! A mesa do banquete foi montada lá dentro, pois a cozinha é enorme. Apesar disto, como sou gastrônoma, tenho ainda outra cozinha gourmet dentro da casa grande, esta para almoços menores.
Quando estávamos almocando, eis que surge a Banda Mirim Vitalina Correa, de Cordisburgo, que entra nos jardins tocando a música “Amigos para sempre”. Lindo, lindo , lindo! Os convidados vibraram e aí foi só alegria. Músicas divinas e perfeitamente executadas pelos meninos e meninas cordisburguenses, da mesma terra do Guimarães Rosa. Alguns deles também trabalham como “contadores de estorias” no Museu Casa de Guimarães Rosa, que mostrei para vocês na semana passada.

Agora imaginem: uma tarde no campo, com a vista da cidadezinha mineira bem à frente, vinhos alegrando os corações dos homens – ou, como no latim, “vinus bonus laetificaet cor hominis” – e a boa comida mineira posta à mesa, com a maravilhosa Banda de Música tocando ao vivo nos jardins. Todo mundo feliz, descontraído. Perfeito! A sobremesa, ou a segunda parte do almoço, será servida na próxima coluna. Aguardem!